A FAVOR DA DEMOCRACIA

Quanto vale a preservação da democracia no país? É uma pergunta cuja resposta merece muita reflexão para não se deixar levar pelo imediatismo e menos ainda pelo egocentrismo e parcialidade.

Temos visto constantemente, estampados, nas revistas semanais e jornais diários, com repercussão nos rádios e televisões, posicionamentos os mais diversos a respeito do governo que realmente passa por momentos críticos em face da precária situação da economia e em consequência também da política.

O que mais nos chama à atenção e nos causa perplexidade é a pobreza das manifestações, e em especial por parte dos que teriam obrigação de tratar do assunto com a seriedade necessária para questões tão delicadas do ponto de vista institucional.

E eu não me refiro aos manifestantes de movimentos populares, insuflados pelas repercussões econômicas do dia a dia, pois são próprias das reações previstas nos estudos sobre a psicologia das massas. Eu me dirijo aos protagonistas da condução da politica, como os parlamentares, dirigentes de agremiações partidárias e da própria imprensa, que têm a responsabilidade intrínseca de buscar soluções para normalidade que se espera do país ao invés de torcer pelo fracasso e propagar soluções fantasiosas que só serve para tumultuar a estabilidade democrática.

Será que é tão difícil assim, abrir mão do interesse próprio, momentaneamente, em prol do bem maior que é o interesse nacional? Será que é tão difícil aprimorar as instituições ao invés de pregar o retrocesso?

É que essa postura não é de agora. Há muito tempo se opera assim.

Façamos um retrospecto da vida republicana mais recente e vamos nos deparar com o suicídio de Getúlio Vargas. Sem pretender me alongar na análise dos episódios que culminaram com aquela tragédia, a grande crise então reinante foi instalada por obra do então deputado Carlos Lacerda por razões essencialmente políticas. O “mar de lama” a que se referia se concentrava em um financiamento do Banco do Brasil ao jornalista Samuel Wainer que fundara o jornal Ultima Hora com o propósito de defender o Governo Vargas, além de acusações esparsas de corrupção de pessoas supostamente ligadas ao Presidente. Mas, a crise se agravou com um episódio da morte de um major da Aeronáutica que acompanhava Lacerda em uma reunião politica no Rio de janeiro atingido por um tiro que seria direcionado ao deputado, a mando do Chefe da Segurança do Presidente.  Segundo relato na publicação da Enciclopédia Livre (Wickpédia) “existem várias versões para o crime. Há versões que divergem daquela que foi dada por Carlos Lacerda: O Jornal do Brasil entrevistou o pistoleiro Alcino João do Nascimento, aos 82 anos em 2004, o qual garantiu que o primeiro tiro que atingiu o major Rubens Vaz partiu do revólver de Carlos Lacerda. [57] Existe também um depoimento de um morador da rua Tonelero, dado à TV Record, em 24 de agosto de 2004, que garante que Carlos Lacerda não foi ferido a bala. Os documentos, laudos e exames médicos de Carlos Lacerda, no Hospital Miguel Couto, onde ele foi levado para ser medicado, simplesmente desapareceram.” O fato é que de uma campanha de caráer nitidamente politica passou-se a uma crise militar em função do crime contra um integrante da Força Aérea Brasileira cujo líder era o Brigadeiro Eduardo Gomes que fora derrotado por Getulio nas ultimas eleições.

Em nome da normalidade democrática, o caminho a ser seguido teria sido uma denuncia á Justiça para apurar a regularidade do financiamento ao jornal Ultima Hora e a apuração policial dos casos de corrupção indicados. Mas , ao contrário, o que se pretendia era o impeachment do Presidente, contra quem não havia nenhuma acusação concreta. E Lacerda que já se fazia acompanhar de um militar para sua escolta em reuniões políticas em que tramavam a derrubada de Getulio, acaba propiciando a morte do Major Vaz, caso igualmente policial, mesmo tendo como mandante o Chefe da Segurança de Getulio, e igualmente sem nenhuma prova da participação do Chefe da nação. Que se prendesse então Gregório Fortunato, com o depois de fato se fêz. Mas porque o impechment do Presidente senão por interesse político? Tudo isto, servia ao interesse nacional? Nem mesmo aos arquitetos da trama serviu, pois Getulio tornou-se vítima nacional e nas eleições seguintes foi eleito Juscelino Kubistcheck, seu aliado, derrotando o candidato udenista. Lacerda pregou então o golpe contra JK com a célebre frase: ’ Não pode ser candidato. Se for não pode ganhar. Se ganhar não pode tomar posse”

No regime democrático?

A propósito permito-me transcrever parte do discurso de Tancredo Neves, Ministro da Justiça de Getulio :

“Não foi difícil aos maquiavélicos arquitetos da reação, aos políticos profissionais duas vezes fragorosamente repudiados nas urnas e aos jornais a serviço da conspirata, atrair para si o grupo dos salvadores nacionais e o seu belo Nagib de gabinete (Lacerda). Papel de relevância na trama desempenhou também outro chefe militar (Eduardo Gomes) candidato repetidamente derrotado pelos votos do povo, mas que nunca desistiu de dirigir esse mesmo povo que insistia em repudiá-lo.
Aí está toda a maquinaria da conjuração preparada e adestrada, que só aguardava um pretexto para se pôr em ação.
Apesar do interesse manifesto do Chefe do Governo em apurar e punir os autores do atentado da rua Tonelero, apesar da sua inocência de qualquer ato de corrupção administrativa, a sede de poder dos seus adversários não esperou sequer pelo desfecho do inquérito. Não esperou muito provavelmente por já saber, de antemão, que o inquérito não incriminaria o Presidente ou qualquer pessoa de sua família. O intelecto da conjura precisava de uma última fagulha para desencadear a crise.”

Pergunta-se: a quem interessou tudo isso?

Jânio Quadros. Caricato, pelas atitudes de varejo que cometia. Reformista de improviso. Temperamento indefinido. Eleito democraticamente por ampla maioria de votos.

 À época as eleições para o Legislativo não coincidia com a do Presidente da Republica e o candidato a Vice Presidente era votado em chapa isolada. Com isto o Presidente da Republica poderia ser eleito, como foi Jânio, com minoria no Congresso composto de parlamentares eleitos em pleito anterior e maioria aliada de Juscelino e o Vice Presidente João Goulart do PTB oposição à Jânio.

Ora, durma-se com um barulho deste. Com sete meses de governo Jânio renuncia em face da total impossibilidade de dirigir o país, pensando que as Forças Armadas daria apoio à massa popular que lhe traria de volta ao Poder. Ledo engano. Na realidade Jânio, herdeiro da inflação gerada pela construção de Brasília e outras realizações do governo JK,  de elevado déficit orçamentário e de sérias dificuldades enfrentadas pela agricultura nacional, prometera, na campanha e no discurso de posse, melhorar o padrão de vida da população, promover a distribuição de renda e elevar os níveis de emprego – intenções que  se chocaram com a realidade econômico-financeira que ele encontrou.
Jânio assumiu em 31 de janeiro e pôs logo em prática uma política econômica austera, que, como era de se esperar causaria repulsa popular pelas consequências naturais da deflação. Simultaneamente adotou uma política externa  de aproximação com os países socialistas, que incluiu o restabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética e condecoração ao guerrilheiro Ernesto Che Guevara,  um dos nomes mais emblemáticos, criando-se assim um ambiente adverso, na área política, militar e de grande parcela da população. Em indisfarçável confronto, o governador Carlos Lacerda – uma das figuras centrais da crise anterior que resultou no suicídio de Getúlio Vargas – entregou as chaves do então estado da Guanabara ao líder anticastrista Manoel Antônio Verona. Além disso, vários integrantes das forças armadas devolveram suas condecorações. O ápice, no entanto da crise, vem por conta e risco, mais uma vez, desse Governador. Após procurar o Presidente, emocionado quase em lágrimas, para pedir ajuda financeira para manutenção do Jornal Tribuna da Imprensa, de seu filho, no mesmo dia protagonizou   outro episódio no  mínimo embaraçoso,  senão hostil, à presidência de Jânio. Informado, pelo Ministro Pedroso Horta, de que Jânio estava decidido a apressar uma reforma constitucional, com vistas à ampliação das prerrogativas do Executivo, o governador da Guanabara ocupa uma cadeia de rádio e televisão para acusar Pedroso Horta de  tê-lo  convidado a participar de um golpe, conforme documentam historiadores, como Hélio Silva.

Mais uma vez um golpe na democracia motivado por interesses pessoais.

Da mesma forma, veio João Goulart que enfrenta altos interesses econômicos e políticos e já contando com a animosidade dos militares por sua conduta ferindo a disciplina e a hierarquia, é deposto por um movimento militar.

Não vou me ocupar com a análise do processo de impeachment do Presidente Collor já exaustivamente tratado. No entanto permito-me afirmar, pelo conhecimento que tive da evolução desse processo que a sua queda se deu em face do enfrentamento com o Congresso e com a classe politica de modo geral. A maior prova disto está na tramitação do processo sem a observância dos mandamentos regimentais, além do fato de, mesmo tendo renunciado antes de ser decidido o seu afastamento, na forma prevista em lei, sofreu as penas aplicáveis aos que têm decretado contra si, o impeachment.

Mais uma vez foi atingida a normalidade democrática por interesses políticos.

Estamos agora vendo a repetição dos mesmos erros.

Porque não se ocupam os oposicionistas de hoje, de aprender como se exercita uma oposição sadia, democrática, objetiva, sem mirar em pessoas, mas visando o interesse do país, cobrando ações, mas oferecendo soluções. Sem essa ordem de sangrar até o fim. Vamos seguir os passos da oposição udenista que não dava trégua a Juscelino, mas tinha conteúdo para sugerir ao invés de ficar bradando a todo o tempo pregando o afastamento da Presidente, mesmo sem ter causa concreta. Ficar encomendando pareceres de juristas que por sua vez ficam se esforçando na busca de razões jurídicas para justificar um golpe de estado.

A Constituição Federal é bem clara e precisa na previsão do Impeachment do Presidente da Republica. Diante de fatos concretos que incriminam o Chefe do Governo é só aplicar a lei. Mas, não, querem impor e insuflar a população na direção do Impeachment mesmo sem causa, com base em pareceres pomposos cheios dos “se”.

Ora, senhores, vamos oferecer um pouco mais ao nosso país.

Por isto não posso deixar de transcrever a fala do ex- Presidente Fernando Henrique Cardoso, proeminente líder do maior partido da oposição, demonstrando sua maturidade e experiência:

“Impeachment não pode ser tese – ou houve razão objetiva, ou não houve, e quem pode dizer isso é a Justiça, o Tribunal de Contas, a polícia… partidos não podem se antecipar a tudo isso, não tem sentido”, avaliou. “Você não pode transformar seu eventual desejo de que seria melhor outro [governante], não pode fazê-lo fora das regras da democracia. Temos que esperar que essas regras sejam cumpridas – qualquer coisa é precipitação”, opinou.

Fernando Henrique falou sobre o assunto em entrevista coletiva. Indagado se manteria a mesma opinião sobre o impeachment se o Tribunal de Contas da União (TCU) desaprovar as contas de 2014 de Dilma – em função das manobras fiscais apelidadas de “pedaladas” fiscais, o tucano foi enfático: “Isso é uma especulação. ‘Se’ acontece qualquer coisa? Não posso responder”, encerrou.

E antes que algum apressado tome a iniciativa de me rotular como defensor desse ou daquele partido já antecipo minha posição:

A FAVOR DA DEMOCRACIA

 

Excelentes as matérias postadas

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