JANTAR ÁS OITO – Miriam Travassos

 

 Publicado no Diario Regional de Juiz de Fora:

      ”      Difícil receber para jantar, atualmente. Foi-se o tempo em que podíamos oferecer nosso prato especial, regado com manteiga, um estrogonofe nadando no creme de leite, uns camarões preparados à milanesa.

            A partir  dos anos 60, lançaram  um novo modelo de mulher. Era chamada por  Twiggy ( gravetinho) e exibia, aos 15 anos, um esqueleto quase sem estofo, apoiado sobre duas pernas feito varetas e coxas tão finas que formavam arcos . Meio desengonçada, cílios enormes, cabelo curtíssimo, mal surgiu nas passarelas londrinas  para, imediatamente, aparecer nas capas das melhores revistas do mundo. Chegou a ganhar US$ 10 mil por dia – uma menina.

            Numa época em que Martha Rocha vencia o primeiro concurso de Miss Brasil e todos se rendiam à beleza de suas polegadas a mais, incrivelmente, as mulheres se apaixonaram por aquele corpo sem sustância. E tudo valia a pena para emagrecer. Muitas morreram de anorexia, outras adoeceram com bulimia… mas o objetivo  era inabalável: “magreza é o que interessa, o resto não tem pressa”.

            E daí em diante, tudo mudou para que o mundo se adequasse à nova silhueta. Abriram-se clínicas de estética, academias,  Spas,  centros de massagens, indústrias de cosméticos redutores , apareceram centenas  de cirurgiões plásticos com suas lipoaspirações,  lançaram publicações, sem nenhum cientificismo, ensinando a  Dieta do Astronauta, Dieta das Proteínas, da Lua, da Sopa, dos Carboidratos, do Abacaxi,  rendendo fortunas aos espertíssimos escritores.  Ouço que agora aparece a dieta do jejum de 18 horas, cursinho para faquir.

             Oferecer  uma festa, então,  passou a ser um problema : as bandejas voltavam à cozinha quase intocadas, se nelas havia  salgados com bacon, maionese, massas, frituras , molhos gordurosos. E as mulheres “mudaram o rumo de sua prosa”:  passaram a só falar em  quantos quilos estavam perdendo e com que tipo de regime, informavam o telefone do médico da moda, o endereço de sua massagista…papo cabeça!

            Foi nessa mesma época que vi surgir os primeiros grupos de vegetarianos. Sem o escopo de dieta, mas como filosofia de vida, recusavam-se a ingerir as carnes e derivados dos animais, ainda que algumas correntes abrissem exceção para os ovos e, eventualmente, os peixes. O vegetarianismo estrito, entretanto, abominava qualquer  produto que derivasse do animal.

            E um pouco mais tarde, surgiu no país o veganismo,  movimento de libertação animal, lutando pelo fim  da tortura, do enclausuramento, do afastamento dos filhotes, do sofrimento imposto aos bichos pelo desejo de lucro. Veganos não consomem nada que se origine dos animais –  na alimentação, no vestuário, nos produtos de beleza, na decoração – nem admitem que eles sejam enjaulados, domados ou torturados para entretenimento, como nos circos, rodeios, touradas, rinhas. Lutam pela extinção dos zoológicos, que mantêm os humanos-animais, como os chamam, fora de seu habitat natural causando sofrimento.

            E além de todas as correntes e movimentos , apareceram os alérgicos à lactose e ao glúten, que ficam lendo a composição dos embalados por horas, com lupas que carregam por toda parte.

            Pois mudou-se  para a mesma rua em que eu morava, um casal,  do qual logo me tornei amiga. Convidei-o para que viesse jantar em minha casa, o que foi aceito, com alegria. – Somos vegetarianos – avisaram, à  guisa de esclarecimento. –Sem problema – respondi. – Quarta-feira, às oito, tudo bem?

            Chegaram pontualmente, logo nos sentamos à mesa. Eu havia feito um caldo farto de  grãos e legumes e uma salada de frutas como sobremesa. Todos nos servimos. Notei que o casal apenas mexia a sopa com a colher, sem sequer provar. – São apenas legumes- expliquei. – Mas o caldo é de carne – disse o homem, sem graça. ( Eu me distraíra no caldo!)  Pedi milhões de desculpas, devo ter ficado rubra, muito envergonhada.  Nem terminei minha porção e já coloquei a saladeira com as frutas, tentando desvanecer o meu terrível erro. Comecei a encher as taças, quando disseram: – Não fique triste conosco, mas também não comemos chantili. Bem, não somos tão radicais, como parece, abrimos exceção para os ovos e, eventualmente, o peixe.          Pensei que iria desmaiar, mas eles mesmos me consolaram; – Estamos acostumados! Não se entristeça por isto! Só que o que era um jantar se viu resumido a duas xícaras de café e algumas torradas que acompanhariam o caldo. Pedi-lhes que me dessem uma segunda chance, eu teria que reverter aquele engano com uma refeição acertada. Eles concordaram, rindo muito. Marquei para a semana seguinte.

            No dia do segundo jantar, a mulher me ligou. Desejava saber se causaria algum problema caso levasse outro casal que hospedavam – Nenhum problema! – respondi, sincera. Espero por vocês . Jantar às oito !

            Desta vez eu tomara o cuidado necessário para que nada saísse errado. Indagara, dias antes, o que comiam, exatamente, inclusive sobre temperos e bebidas. Chegaram pontualmente,  trazendo os amigos  de extrema simpatia. Bebemos um coquetel sem álcool e fomos para a sala de jantar. Ao puxar a cadeira para que a mulher se sentasse, vi que o homem estatelou os olhos, em desaprovação. Com a rapidez de um relâmpago, entendi o que se passava: o encosto de minhas cadeiras era forrado de pele de bezerro! Rapidamente, troquei por cadeiras de metal, suavizando, assim, o choque que levaram. -São veganos – murmurou ao meu ouvido o casal meu amigo – nem mesmo bolsa e sapato admitem, se feitos em couro.

            -Ve…ganos??? Não co…com…comem nada proveniente de animais??? -Nem pensar- respondeu. Tive certeza que iria desmaiar. Havia feito um filé de peixe com batatas e uma omelete de cogumelos. Os veganos ficaram nos olhando comer, sem denotar problema algum. Lembrei-me de uns biscoitos integrais que tinha na despensa e fui buscá-los depressa, para que não ficassem sem algo para mastigar. Parece que minha idéia também não agradou, mal deram uma mordida e abandonaram em seus pratos.

            Após jantarmos, busquei a salada de frutas, dessa feita sem o menor traço de laticínio. Pelas vezes que os vi enchendo as taças, tive certeza: estavam mais famintos do que eu envergonhada. Depois de  um chá, com mais pedidos de desculpa, os quatro se foram. Sentei-me à mesa vazia, mãos na cabeça, desejando achar um buraco onde  pudesse me esconder. Peguei um biscoito da mesa. Não!!!! Não pude acreditar! Guardados há muito tempo, estavam todos moles e com gosto de mofo!

            …Nunca mais vi aquele casal vizinho. Adivinhem se eu queria…”

mhtrav@uol.com.br

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