Como eu disse na primeira publicação de textos desse livro coordenado pela Ministra Fatima Nancy Andrigui, trata-se de verdadeira Lição de Vida. São fatos que ocorrem em todos os lugares e a qualquer hora.
“O Policial Ciumento
Juiz de Direito Luis Otávio de Queiroz Fraz
Gurupi / TO
Aquela seria uma audiência tensa. O marido, segundo o próprio, havia surpreendido um homem sorrateiramente deixando sua casa e como já vinha desconfiando, atirou nele do outro lado da rua, mas não foi feliz no intento.
Por isso, entrou em casa e expulsou mulher e filhos aos berros e ameaças. Refeita do susto ela procura a Defensoria Pública, pede o retorno à casa para agasalhar os filhos, separação cautelar de corpos e pensão. Consegue a liminar do Juiz.
Como casos assim não podem esperar, fora marcada audiência para o mais breve possível, e lá estavam ambos, frente a frente, sofrendo as dores e vergonhas da exposição visceral de sua história.
Chega preciosa e oportuna informação: o homem está armado.
O que fazer? Como agir? A polícia estava à porta da sala e deixara alguém ali entrar portando armas.
Perguntei-lhe de chofre:
- O senhor está armado?
- Me dê suas armas.
Ele abriu a pasta preta tipo 007 pousada no colo, enquanto na sala todo lívidos e paralisados aguardavam o desfecho do ato. Entregou um revólver calil >r< 38, municiado, e uma faca peixeira, grande e muito bem afiada.
Lentamente retirei as balas e guardei as armas na gaveta embaixo, sob olhares atônitos de todos.
O Promotor pediu lhe a prisão em flagrante delito por porte ilegal de armas.
O moço não se abateu. Percorreu os olhos por toda a sala, olhando um por um dos presentes e disse com voz pausada e audível.
- Doutor, nem o senhor, nem o promotor, nem ninguém vai impedir-me de matar esta mulher! O senhor me prende, eu saio um dia de lá. E vou mata-la, é tão verdade como a luz do sol.
Novo pedido de prisão, desta vez por desacato à autoridade.
Deixei para apreciar os pedidos do Promotor ao final do ato.
Ouvi as partes, as testemunhas. Audiência longa, nervosa, com em bates de advogados. Terminada a instrução, pedi que evacuassem a sala e me deixassem sozinho com o réu, para espanto de todos.
Era um policial reformado.
O conheci em minha cidade quando eu ainda era um menino. Ele não se lembrava de mim. Feliz coincidência aquele reencontro.
E perguntei a ele: — Você foi policial em Araguacema? Assentiu com a cabeça, olhos fixos no chão.
Conheceu uma senhora chamada Ivan, mãe de três filhos que possuía um pequeno comercio na cidade?
Me olhou fundo, com desconfiança e respeito e deu detalhes de minha velha casa.
Apresentei-me a ele: sou o mais novo dos irmãos.
- O tatá? ( meu apelido de família).
- Sim, respondi. Aquele menino tantas vezes engraxou seu garboso coturno; ele admirava o correção de seus atos, o brilho da fivela, o cuidado com a aparência.
Veja como a vida o transformou.
Hoje peita autoridades, ameaça mulheres frágeis, aflige indefesas crianças. Onde ficou aquele honrado homem?
E a conversa fluiu por esse caminho.
Ele despencou num longo e incontido choro. Pediu água, lenço de papel e desculpas.
Muitas desculpas. Prometeu não cumprir as ameaças feitas e atender a Iodas as determinações da justiça. Por último escondeu o rosto atrás de um velho e já surrado óculos escuros.
Vi sinceridade no gesto porque mostrara o tamanho de suas fragilidades, de seus conflitos.
E para demonstrar crença nos compromissos ali firmados, devolvi-lhe a faca e o revolver sem munição.
Recomposta a sala, foi confirmada a guarda das crianças, estabelecida a pensão alimentícia e o retorno da mãe com a prole ao pequeno casebre do povoado ali próximo.
Ao Promotor disse eu disse: — por medida de política social e pelo bem da família, aquele homem saina livre para ajudar criar os filhos.
E se foram todos, silenciosos e cabisbaixos, a pelejar com a vida…
Espetacular!! Quase chorei!!!
O objetivo dos autores é exatamente esse, mexer com as emoções..