Prosseguindo no objetivo de resgatar os bons políticos, trago hoje o nome desse grande brasileiro, Cantidio Nogueira Sampaio. Descendente de chinês e paraibano tinha a emoção, o carinho e a bravura do nordestino e o calculismo do asiático, fazendo com que no exercício da Liderança do governo ou do seu partido, nunca tomasse decisões açodadas e sem prévio estudo.
Bom ouvinte gostava de debater com os assessores os passos a serem trilhados e não era dado a preservação de direitos autorais e com grandeza não se perturbava em ter que retroceder em suas atitudes.
Eu poderia discorrer por vários dias para demonstrar quem era o Deputado Cantídio, mas trago como principal marco a sua dedicação pelo trabalho e sua seriedade no trato do bem público. E agradeço a Deus o privilégio de ter sido seu Assessor e amigo.
Acometido de séria enfermidade, em pleno exercício da Liderança da ARENA (antigo partido político) foi internado em Hospital na cidade de Miami (Fl.) e pelo telefone diariamente me passava as diretrizes a serem tomadas pela bancada. E assim foi até à véspera de sua morte, quando em último contato me agradecia a amizade e o companheirismo durante todo o tempo em que o assessorava, além de um envio de uma mensagem de despedida a todos os parlamentares certo de que no dia seguinte não mais estaria entre nós. Isso tudo, sem a menor cerimônia.
Mas um fato que deve ser comentado para mostrar o perfil desse político ocorreu no exercício da Liderança do Governo.
Estava na tribuna da Câmara no usando o espaço destinado à defesa da política governamental quando ao ser questionado sobre a assinatura do Acordo Nuclear Brasil- Alemanha. Autorizado que estava declarou que tal ato não seria tomado antes de o Congresso analisar o assunto e que qualquer notícia a respeito era mera especulação
Logo a seguir o Líder do MDB (partido de oposição à época) Dep. Laerte Vieira (SC) pede um aparte e diz que se sentia muito constrangido em desmentir o Líder, e pediu licença para reproduzir uma gravação em que o Presidente Geisel acabava de anunciar a assinatura daquele Acordo, contrariamente ao que Cantídio acabava de declarar.
Ao ouvir a notícia, sem esboçar qualquer emoção, agradeceu o aparte e pediu ao colega oposicionista que se dirigisse ao próximo Líder, pois a partir daquele momento se sentia descompromissado com o Governo.
Ao saber do fato o Presidente Geisel, o chamou ao Palácio desculpou-se, pediu-lhe que continuasse na Liderança e no mesmo instante estava encaminhando ao Congresso a Mensagem correspondente para a homologação do Legislativo com efeito suspensivo de sua execução. Era assim o respeito que o próprio Presidente militar mantinha com esse político.
Por outro lado, gostaria de mostrar o seu lado humano. “O ex deputado e jornalista Sebastião Nery, após a morte de Cantídio publicou um texto no jornal Última Hora sob o “título “ Cantídio, de Deus a Glória e de mim a gratidão”. Nessa matéria Nery conta que durante a repressão estava com prisão decretada e foragido chegou a São Paulo na carroceria de um caminhão e nem podia sair às ruas, e sem emprego pois não podia mostrar documentos com sua identidade.
Um seu amigo disse-lhe que podia conseguir uma solução paliativa e marcou um encontro dele com terceira pessoa em um pequeno restaurante da periferia da cidade. que sem maiores delongas perguntou qual era o seu problema. Relatada a situação de foragido, o interlocutor lhe disse que no dia seguinte lhe daria uma identidade falsa e um local para trabalhar. Ao sair lhe perguntou se sabia com quem estava falando. Diante da negativa, veio a identidade: Sou o Secretário de Segurança Pública de São Paulo Cantídio Sampaio. E no dia seguinte recebeu os documentos conforme o prometido e passou todo o tempo de clandestinidade protegido por essa providência.
Passada a anistia, foi eleito Deputado Federal e nos debates na Câmara com o próprio Cantídio, então Líder do Governo Militar, exacerbou-se e em dados momentos chegou a taxar o antigo Secretário de Segurança de torturador e assassino. Esse, no entanto, travava o debate, mas em nenhum momento cobrou a gratidão pela ajuda anteriormente prestada, embora soubesse que aquele que o agredia era o que, outrora, havia merecido sua ajuda colocando em risco a sua posição. Esse era Cantídio Sampaio.
E o lado pitoresco.
Secretário de Segurança teve que enfrentar uma questão herdada do Governo de Jânio Quadros, que determinou que todas as prostitutas da Capital encontradas nas ruas, fossem presas. A polícia vasculhava com um caminhão baú e recolhia as mulheres nessa condição. A partir daí essas profissionais passaram a andar com um cachorro na coleira para não serem presas uma vez que a Associação Protetora de Animais conseguira na Justiça a proibição da captura de cães que tivessem acompanhados. Por incrível que pareça os animais não podiam ser presos, mas as prostitutas sim.
Uma vez empossado, Cantídio revogou todas essas medidas, mas em atendimento aos reclamos dos moradores proibiu o “trottoir” nas zonas residenciais da cidade e as que ali fossem encontradas eram recolhidas e eram levadas para uma região mais distante.
O Cardeal Motta, em seu programa “A Voz do pastor” passou a diariamente condenar a ação da Secretaria de Segurança que estava que estava ferindo o direito de ir e vir daquelas mulheres e que deveria isso sim, implantar um programa social de recuperação das mesmas.
Cantídio, em uma decisão histórica, determinou a polícia que recolhessem todas essas profissionais e levasse para a praça defronte o Palácio Episcopal (residência do cardeal).
Executada a medida, o Cardeal Motta ligou para Cantídio, revoltadíssimo e exigiu que aquelas prostitutas fossem retiradas dali defronte a sua residência.
Calmamente o Secretário lhe respondeu: “Não, Cardeal. Vossa Eminência é especializado em salvar as almas e poderá implantar o projeto de salvação que me sugeriu”. Nunca mais o Cardeal tratou do assunto.
Teve uma vida pública intensa, vereador, deputado estadual, deputado federal, secretário de segurança de São Paulo, morreu com o mesmo nível de vida que sempre ostentou, sem que lhe fosse imputado qualquer ato de improbidade.
Muita saudade deixou, o Doutor Cantídio Nogueira Sampaio.
A D O R E I!! VIVA O CANTIDIO
Viva mesmo!!!
Quem é o autor desse texto? Quero saber mais histórias a respeito do Cantidio. Ele é meu avô e não o conheci…
Eu, Henrique Hargreaves, escrevi esse texto. Fui Assessor na Liderança do Governo na Câmara dos Deputados. É uma pena que vc não tenha conhecido o seu avô. Foi um grande homem, em todos os sentidos.