Da minha janela (André Gustavo Stumpf)

André Gustavo Stumpf, um querido amigo e brilhante jornalista publicou uma gostosa matéria a respeito de sua viagem para a inauguração de Brasília em 1960. Recordando da minha chegada em 1962, sobre a qual estarei divulgando, não poderia deixar de repercutir esse rico relato do filho de Lucy minha querida colega na Câmara dos Deputados.

0 tempo passa e as circunstâncias se modificam. Viajei, de carro, do Rio para Brasília poucos dias antes do dia 21 de abril de 1960 numa Kombi, da primeira série produzida no Brasil. Éramos quatro naquela aventura. Meu pai, Sully Alves de Souza, que já vivia aqui em prédio recém-concluído na Superquadra 409 Sul, desde o ano anterior, Flávio Morei­ra, advogado e fazendeiro na ilha do Marajó, amigo da família, Hedyl Vale Junior, amigo e vizinho. A viagem durou três dias.

A primeira etapa foi até Belo Horizonte. Tudo era novidade. A estrada para a capital mineira foi construída pelo governo do pre­sidente Juscelino. Recém-inaugurada. Meus olhos de adolescente se arregalaram com a paisagem e a descoberta de um novo Brasil. A atual BR 040 era uma rodovia estreita, de­nominada União Indústria até Juiz de Fora. Daí para a frente era tudo novo. Conheci Be­lo Horizonte, cidade tímida, pequena, dis­creta como são os mineiros. Lembro de um jantar, magnífico na minha lembrança, na Cantina do Ângelo. Segundo o Google, ainda funciona. A cidade era bem arborizada.

A segunda etapa foi a descoberta do cer­rado. A estrada era nova. Tudo novo. Asfalto, paisagem e pontes. Soldados guardavam al­gumas delas. O governo tinha receio de sa­botagem. A Kombi avançou resfolegando pelo longo caminho. Paramos para dormir em Paracatu, onde desfrutamos de bom jan­tar no acolhedor Walsa Hotel (deWaldemar e Saul), que ainda existe. No terceiro dia, de­pois de mais umas quatro horas de viagem, chegamos a Brasília. Na altura de um posto de gasolina, que parece disco voador, perto da Candangolândia, passamos pelo pelotão de Fuzileiros Navais que veio do Rio de Ja­neiro em marcha forçada. A pé. Eles cami­nharam por quase um mês.

A primeira visão de Brasília foi inesquecí­vel. Um enorme canteiro de obras. Muita gente trabalhando. Formigueiro humano. Prédios diferentes, estranhos. Espaço aber­to. As pessoas transmitiam confiança, deter­minação e esperança. Ficamos hospedados com colchão no chão, em apartamento con­cluído para acomodar os visitantes. O resto do prédio ainda estava em construção. E no dia 21 de abril, fomos, curiosos, orgulhosos e espantados assistir, como testemunhas da história, à grande festa da inauguração da nova capital do Brasil. Brasil, capital Brasília. Meu pai e o amigo Flávio foram convidados para o grande baile, que foi realizado no Pa­lácio do Planalto. Vestiram casacas, devida­mente alugadas no Rio. Hedyl e eu, garotos, ficamos perambulando pela Praça dos Três Poderes, onde havia um coral de mais de 200 vozes. Muita luz, muita gente e espetáculos de toda ordem. Banda de música. Enfim, festa maravilhosa. Multidão. Houve por al­guns minutos a transmissão do evento, ao vivo, pela televisão.

De repente, olhei para o Palácio do Pla­nalto e vi o presidente Juscelino Kubitschek descer a rampa e se juntar à população. Gesto simples, sem segurança ostensiva. Ele, tranquilo, mergulhou no meio da mas­sa. Cheguei o mais perto possível. JK sub­mergiu no mar de abraços, beijos, agradeci­mentos. Vi, surpreso, uma mulher se ajoe­lhar e beijar os pés do presidente. Fiquei atônito, nunca havia visto nada parecido. Acho que não vou ver. Emoção enorme. Gente chorando, gritando, pulando. Vivas ao Brasil, a JK, aos candangos. Só muito tempo depois entendi que havia assistido a um fato histórico. Presenciei momento ex­cepcional na vida política do Brasil.

Naquele dia, naquela festa, naquele mo­mento, o Brasil deu um pulo. Deixou de ser um terreno baldio, abandonado e se prepa­rou para o salto do desenvolvimento. Hoje, olhando para trás, a gente percebe que a transferência da capital incorporou o norte e o centro-oeste à economia nacional. Agricul­tura e pecuária passaram a ser atividades modernas, exportadoras, a indústria se ins­talou de maneira definitiva no país, ensejou o crescimento de São Paulo, e novos polos de crescimento surgiram na área que foi agrega­da à economia nacional. Seis décadas é tem­po curto na história. Ainda assim, aquele acampamento de 1960 transformou-se nu­ma cidade de quase 4 milhões de pessoas.

A meta síntese de JK transmudou-se em realidade. Metrópole importante. Centro das altas decisões nacionais, como Juscelino previu. Sessenta anos passaram muito de- pressarMás aquela cena de 21 de abril de 1960 continua viva na minha memória. Da­quela pequena caravana de quatro pessoas, que se aventurou pelo interior do país, sou o único remanescente. Os outros, lamentavel­mente, já nos deixaram. Vivi os últimos 60 anos em Brasília, mesmo depois de andar pelo mundo. Brasília é a minha casa e tam­bém de meus filhos e netos. Portanto, quatro gerações de brasilienses passaram pela mi­nha janela no Planalto Central. É uma histó­ria sensacional. Épica. Assistir à criação e ao crescimento de uma capital. Não acontece duas vezes numa vida.”

Realmente é um privilegio permitido a poucos.

Excelentes as matérias postadas

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