Essa fase que estamos vivendo me faz recordar de personagens com quem convivi na Câmara dos Deputados como Assessor Técnico, que orgulham nossa história, pelo caráter, pela retidão, dos bons tempos do nosso Parlamento. Tenho orgulho de ter em meu currículo a relação de amizade e profissional com Adauto Lucio Cardoso, Prado Kelly, Oscar Dias Correia, Djalma Marinho, Nelson Marchezan, Celio Borja, Pereira Lopes, Ranieri Mazzili, Flavio Marcilio e muitos outros que eu poderia listar em toda uma página pois foi uma época áurea da nossa história e que era protagonizada por pessoas de alta estirpe que não devem ser esquecidas com o tempo. Hoje volto a falar de José Bonifácio Lafayette de Andrada, Deputado conhecido como Zezinho Bonifácio, com quem trabalhei e aprendi a admirá-lo por sua correção, honestidade, capacidade de trabalho e principalmente pela argucia e sensibilidade política. Não esnobava cultura mas de uma inteligência impar e sabedoria foi peça importante na vida do nosso Parlamento nas mais complicadas situações seja como Presidente da Câmara, Primeiro Secretário, Líder da Maioria, Presidente da Comissão de Justiça sempre esteve presente para diluir qualquer conflito com a maestria que somente ele era capaz de fazer.
Além disso, não dá para esquecer o lado divertido do nosso convívio, pois, seja com os jornalistas, com assessores e políticos em geral, parecia antever o que as pessoas iriam lhe dizer, tendo em vista as respostas prontas que disparava.
Já publiquei anteriormente e vou repetir uma passagem dele por ocasião de sua internação no Hospital Vera Cruz em Belo Horizonte, vítima de um infarto do miocárdio:
” O Deputado Zezinho Bonifácio pensava em política o dia inteiro;
Eu era assessor da Liderança do Governo quando o Líder era o Deputado José Bonifácio Lafayette de Andrada, o Zezinho Bonifácio. Eis que somos surpreendidos com a internação do Líder em Belo Horizonte no Hospital Vera Cruz por problemas circulatórios. Um belo dia recebo uma ligação dele, na UTI, falando baixinho:” Ô Hargreaves anota esse nome aí ( me passou o nome de um antibiótico) e vai ver pra que que serve. Eles estão querendo me dar pra tomar, mas eu não sei ainda se eles são do MDB!!!
Em São Paulo, onde foi operado, em sua caminhada de convalescência pelos corredores do Hospital, viu uma grande agitação em torno de um senhor que se dirigia à sala de cirurgia. Pediu-me que eu fizesse uma sondagem sobre a pessoa. Fiquei sabendo então que se tratava de um Chefe de família, mineiro, que tinha oito filhos, quinze netos, dez bisnetos e quatro irmãos, todos vivos. Quando ouviu essa estatística biográfica ficou agitadíssimo e pedia insistentemente que chamasse o anestesista de plantão. Veio então um médico de origem japonesa cujo nome não me recordo e preocupado com a convocação inusitada se colocou à disposição do Deputado, que lhe perguntou: “Doutor, é verdade que o paciente nunca esquece o que lhe é dito no momento da anestesia? O médico respondeu que havia sim essa tese. Em réplica Zezinho lhe disse:” Então quando o senhor anestesiar aquele paciente que está entrando no Centro Cirúrgico diga no ouvido dele: ” O deputado José Bonifácio lhe manda um abraço …”
Logo em seguida vieram ao seu encontro as filhas daquele senhor e o saudaram efusivamente pedindo a ele, que já havia sido operado, acalmasse o seu pai e o despreocupasse quanto ao procedimento a que seria submetido.
Zezinho ouviu e as cariciou gentilmente. Eu lhe perguntei se ele iria ao Centro Cirúrgico para atender ao pedido daquelas senhoras. Olhou-me fixamente e disse: “Tá doido?? Vou nada!! Se esse homem morre na mesa de operação todo mundo vai falar que eu sou culpado porque o aconselhei.”
Esse era o Deputado José Bonifácio no varejo. Do mesmo modo que me aconselhava: ” Você vai crescer e não se esqueça de uma coisa. Nunca desminta a imprensa porque contraria a quem gostou. “
No atacado, era um obstinado defensor do Parlamento e da preservação da democracia. Era o Líder do Governo do Presidente Geisel. Tomando conhecimento que seria editado um ato de cassação de um grupo de deputados do MDB. Imediatamente se dirigiu ao Palácio do Planalto e convenceu ao Presidente que desfizesse o Decreto propondo que concordasse que ele mesmo, como Líder trataria de uma reparação ao Governo, internamente, no âmbito do Congresso.
Chegando ao Plenário pediu a palavra e proferindo um discurso duríssimo acusou os deputados emedebistas de serem todos comunistas, o que causou um verdadeiro rebuliço, mas atingiu o objetivo e evitou que os mesmos fossem cassados.
Mas, era crescente a onda oposicionista comandada pelo MDB o que causou mais tarde a inevitável perda do mandato por decreto governamental, baseado no Ato Institucional n. 5, incluindo o do Líder da Oposição Deputado Alencar Furtado, do Paraná, o maior adversário de Zezinho, com quem debatia acidamente na tribuna, e que em declaração comparou o Presidente Geisel ao ditador de Uganda, o sanguinário IDI AMIN DADÁ.
Estávamos a caminho do Tribunal de Contas do Distrito Federal onde tomaria posse no cargo de Conselheiro o ex Deputado Parsifal Barroso da ARENA do Ceará, quando recebi a informação sobre ato cassando Alencar Furtado. De pronto lhe comuniquei o ocorrido e pude ver os seus olhos marejados de lágrimas e me olhando disse apenas: ” Nós não merecemos isso”.
Por tudo que vivemos ao lado desse mineiro ilustre tenho convicção e legitimidade para dizer que infelizmente a safra dessa nobre geração política já se extinguiu e dificilmente se renovará.
Excelentes as matérias postadas