Memórias

No meu cantinho de reflexões nesse período de recolhimento, obrigatório mas consciente, resolvi exercitando a minha memória para resgatar o que eu vivi, deparei com um quadro que mostra como foi cercado de ansiedade esse meu período de vida.

Em 1942 ia de bonde ( veiculo motorizado elétrico sobre trilhos ) para o Colegio Santos Anjos ( jardim da infância) em Juiz de Fora, quando recebemos ordens do condutor e cobrador( era uma espécie de comissário de bordo que viajava no estribo circulando e fiscalizando o comportamento dos viajantes) para que nos mantivéssemos protegidos e agachados, quando ouvíamos um tumulto imenso sem nos dar conta do que se passava. Eram ativistas que promoviam uma quebradeira nos estabelecimentos comerciais de propriedade de alemães.
O Presidente Vargas acabava de declarar guerra ao Eixo aliado aos Estados Unidos da America do Norte, Inglaterra, França e Russia. Aos seis anos de idade eu não sabia de nada do que acontecia, apenas que naquele momento tinha que me proteger e quando chegava em casa ao cair da tarde, tomava meu banho e jantava e sabia que a partir das 19 horas ouvia uma sirene tocada na Galeria Pio X com alcance em toda a cidade que indicava o momento em que as luzes tinham que ser apagadas, as janelas todas cobertas com pano preto como treinamento para um ataque aéreo.

Em 1945, ao contrário, recebíamos a noticia do término da guerra e era tudo alegria e festa. Em 1954, após um longo período de calmaria, cursando o científico no Colégio São José, assistíamos uma magnífica aula de matemática proferida pelo excelente Professor Coronel do Exército Antonio Sá Barreto Lemos Filho, somos surpreendidos com uma alagazarra nas ruas com direito a foguetório por militantes políticos comemorando a noticia do suicídio do Presidente Vargas ao mesmo tempo em que eram confrontados pelos adeptos do falecido mandatário. E toma quebradeira..

Em 1955, já então incorporado ao Exército, promovido a Cabo, na Cia do Quartel General da 4ª Região Militar, somos aquartelados de sobreaviso, em face de um movimento no 1º Exército, ao qual pertencíamos, em que o General Henrique Duffles Teixeira Lott, Ministro da Guerra, promovia uma intervenção militar para garantir a posse do Presidente eleito, Juscelino Kubistcheck de Oliveira, ameaçada por um golpe arquitetado pelo Deputado Carlos Lacerda com o apoio de algumas unidades militares. Confesso que, como recruta, senti um frio na espinha, como se estivesse me preparando para a guerra.

Em 1961, Jânio da Silva Quadros, eleito com uma votação espetacular, embalada por seu estilo populista, mas sem uma base partidária sólida, foi solapado politicamente por um Congresso oposicionista, comandado pelo Partido Social Democrata e Partido Trabalhista Brasileiro do qual era prócer o próprio Vice Presidente João Goulart eleito pela chapa adversária à do Presidente ( à época o Vice Presidente era votado separadamente ). Jânio sentido-se acuado politicamente, decidiu, engendrando uma aventura arriscadíssima, conforme se evidenciou, no dia do Soldado, após presidir as solenidades militares, renunciou ao mandato esperando que o povo que o elegeu iria para as ruas consagrá-lo e trazê-lo triunfalmente ao cargo. Sentiu ao baque da tragédia que arquitetou quando teve que fugir para o porto de Santos e se abrigar numa fragata comandada por um grupo sem expressão. Então já promovido a terceiro sargento, mais uma vez senti o stress de um estado de prontidão em que, pelo menos teoricamente teríamos que partir para a luta armada. No entanto, para a tranquilidade da Nação foi empossado o Vice Presidente João Goulart, que sofria uma rejeição muito forte nas Forças Armadas, mediante uma negociação politica “ meia boca” com a instituição do sistema Parlamentarista capenga que pouco tempo durou e que em período de dois
anos teve três Primeiros Ministros, Hermes Lima, Brochado da Rocha e Tancredo Neves que teve o encargo exitoso de promover o retorno ao Presidencialismo. Nesse tempo, eu já havia feito concurso público para a Secretaria da Câmara dos Deputados e sofria com a ansiedade de um “ revertere ad loco tuum” com o fechamento do Congresso e outras loucuras que se propagavam. Felizmente para nós que aguardávamos apreensivos o momento de tomar posse em virtude de aprovação em concurso publico tudo acabou bem, ao contrario dos noticiários de que o Congresso ia fechar.

1964 – O governo do Presidente João Goulart caminhava tortuoso com uma instabilidade politica significativa. No Congresso foi iniciada uma campanha de hegemonia partidária. Jango tentando a todo custo dar a maioria para o seu partido, PTB e as raposas tradicionais do PSD desejando o mesmo. Lembro-me de uma semana que as bases partidárias sofreram múltiplas mudanças em face das manobras que se realizavam. O noticiário dava conta de que haviam negociações no alto estilo no sentido de articular fusões de legendas. Em um dia o PTB era minoria e o PSD a maioria, no dia seguinte constatava a inversão de posições, tudo isso a custo sabe-se lá do quanto e do que. Foi anunciada com estardalhaço uma assembleia dos subtenentes e sargentos do Exército à qual compareceu o Presidente da Republica se envolvendo plenamente com os praças e evidenciando uma quebra de hierarquia no esquema militar de caráter imprevisível. Não satisfeito, Jango articula um grande comício pelas reformas de base, no dia 13 de março, na Praça da Estação no Rio de Janeiro e pronuncia um discurso incendiário anunciando medidas através de decretos, referente a desapropriações de latifúndios, encampação de refinarias, reforma eleitoral , inquilinato, reforma universitária, pregando a democracia direta, governo e povo, o que motivou uma onda da protestos no Congresso, de maioria conservadora e movimentos populares nas ruas, em sua maioria seguindo o Deus, Pátria e Liberdade, culminando com o levante militar antecipado pelo General Olympio Mourão Filho Comandante da 4ª Região Militar, sediado em Juiz de Fora. Nessas alturas eu já via o meu emprego em risco novamente. Atos Institucionais, cassações de deputados e senadores, entre eles o ex Presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, prisões, e o fechamento do Congresso Nacional. O nosso destino era o mais incerto, os boatos se seguiam acelerados, principalmente através dos repórteres que transitavam pela Casa, até que o Diretor Geral da Câmara dos Deputados Luciano Brandão Alves de Souza reúne os servidores e comunica as regras que deverão ser seguidas e tranquiliza a todos que de acordo com os entendimentos com o Comando Militar não haveria nenhuma ação com relação aos funcionários. Mas, em 20 de outubro de 1966, somos surpreendidos por volta aproximadamente das vinte horas com o apagar de todas as luzes, agua e telefones dos prédios do Congresso Nacional e observávamos um comboio de viaturas militares descendo a rampa de acesso à Câmara dos Deputados, com as conhecidas lanternas vermelhas a piscar, o que não era um bom prenuncio e a seguir vimos as tropas desembarcando na Chapelaria e invadindo de forma acelerada sob o comando do Coronel Meira Matos avisando, o que já então se tornava desnecessário, o fechamento daquelas Casas. A partir daí, era frequente a ansiedade com uma sequencia de atos de cassação e abertura e fechamento do Parlamento, além dessa de outubro de 1966, mais a de 13 de dezembro de 1968 ( com o AI-5) e a de 1977 pelo Presidente Geisel.

Com abertura politica, os ânimos serenaram até o impeachment do Presidente Collor e o de Dilma Roussef que voltaram a tumultuar a normalidade do país.

Agora, voltamos à estaca zero no tocante ao reequilíbrio dos ambientes socio-politico-econômico e vivemos um tortuoso caminho de conflitos de ordem politica ao mesmo tempo que enfrentamos, talvez a maior crise de nossa história com essa terrível pandemia que arrasou todo o universo.

Depois dessa lista de ocorrências, acho que já paguei o meu preço e realmente quero ter esperança de ainda ver o Brasil se recuperar em berço esplendido, conforme prega o nosso Hino Nacional e se torne o que sempre almejamos com um lugar de destaque no seio de seus pares.

Excelentes as matérias postadas

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Blog no WordPress.com.

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: