Hoje estarei me ocupando de um tema de pouco interesse para terceiros e de muito significado para mim. Quero compartilhar a minha experiencia na caserna e mostrar a importância que o Exército assumiu na minha formação moral e profissional razão por que guardo um sentimento de gratidão imenso a essa nobre instituição que merece o respeito e reconhecimento de todo brasileiro que ama o seu país.
Sem adentrar no mérito das diversas razões cuja avaliação não seria cabível no momento, o fato é que na minha adolescência, pelo rumo da carruagem o meu futuro era bastante incerto e de pequenas perspectivas, quando então, tive, o que hoje sinto como imensa felicidade, o primeiro susto com a convocação para o serviço militar. Com a ajuda de familiares e amigos poderia ter sucesso na tentativa de evitar a incorporação, mas por obra e graça de Deus, perdi o prazo dessas providencias e tive que me apresentar perante a junta da 13ª Circunscrição de Recrutamento na cidade de Juiz e Fora, então chefiada por um meu primo, 1º Tenente, que não moveu uma palha para a minha exclusão, o que até hoje agradeço de coração.
Incorporado fui designado para servir no Hospital Geral do Exercito em Juiz de Fora, na área burocrática, recebendo a instrução militar na parte da manhã na Companhia do Quartel General da 4ª Região.
Nesse primeiro contato comecei a entender que “o rio não estava para peixe”, pois às sete horas da manhã em maio e junho, época mais fria da cidade, fomos colocados de calção e camiseta para educação física e ao final éramos conduzidos a um banheiro coletivo para tomar banho frio, para não dizer que era gelado.
Claro, que me sentindo imbuído daquele sentimento de jovem bem nascido, pouco me importei com a ordem de entrar na fila para a limpeza, porque eu simplesmente iria dizer que não tomava banho frio.
Mas antes que eu completasse a frase fui “gentilmente “conduzido para debaixo do chuveiro, várias vezes, além de receber ordem para lavar e enxugar o recinto quando terminassem a sessão. Sai revoltado com a falta de respeito com as minhas convicções, mas em muito pouco tempo já estava afirmando que banho quente fazia mal para saúde.
Como já estava no início do científico, nome dado ao 2º grau do ensino médio atual, não tive dificuldade de cursar e ser promovido a Cabo. Primeiro posto de comando que recebia em minha vida, o que me deixou deslumbrado. É verdade que acima da minha graduação tinha pelo menos mais de vinte postos, mas eu já mandava no soldado, o que era algo surpreendente para um até então folgado, tipo play boy, indisciplinado e que começava a conhecer de perto a tal responsabilidade sobre a qual já havia ouvido falar.
Daí para frente a minha cabeça começou a funcionar e vi com muita satisfação a notícia sobre um curso para sargento no qual prontamente fiz minha inscrição, contra a vontade do meu Chefe que não via com bons olhos eu ter direito a me ausentar por algumas horas, mas ao final deu certo e fui promovido a terceiro sargento. Nessa altura eu já estava há léguas de distância daquele personagem que eu ostentava na minha apresentação.
Com a promoção fui transferido para uma unidade, na mesma cidade, onde, embora preservasse a disciplina e os ordenamentos militares, por não ser uma unidade de tropa, era de serviço, suprimento e manutenção de veículos militares, o ambiente era mais ameno e o espírito de camaradagem era mais presente, inclusive entre oficiais, em sua maioria da arma de engenharia e material bélico, graduados e praças.
Essa unidade foi a mais marcante na minha carreira, pois a essa altura eu já teria terminado o tempo de serviço militar, mas pedi engajamento, ou seja, pedi para continuar uma vez que já me sentia como um profissional de carreira, mas continuando os meus estudos, quando concluí o curso na Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Guardo com saudade algumas passagens que a princípio podem parecer grotescas, mas depois de bem entendidas ganham um significado.
Recebemos a noticia da chegada de um novo comandante, de tropa, da arma de artilharia cuja personalidade era propagada como sendo bastante controversa, de aparência arrogante e avesso à camaradagem, que como já falei, era o espirito que reinava na nossa comunidade. Mas, a hora era de espera e ver no que dava.
A sua chegada foi cercada de muita apreensão, mas ao mesmo tempo, tínhamos a considerar que o sucesso de sua gestão dependeria muito de sua relação, principalmente com a área de manutenção (mecânicos, eletricistas, pintores.) o que diferencia muito do comando de tropa.
No primeiro contato já aprendíamos que ele gostava de falar alto, incisivo e adorava dizer que era “ filho de general, genro de general, que iria ser general e que ia ser pai de um general”, ou seja, dava vontade da gente perguntar: “ É só isso que perturba o comandante?”, mas como eu disse só dava vontade…mas, com o tempo víamos que era somente um tipo, pois quando se permitia conversar sabia ser agradável.
De certa feita um nosso colega, sargento, pretendia se inscrever no concurso para o Banco do Brasil e o abordou fazendo a solicitação. Em princípio ele passou a elogiar a pretensão e comentando que um seu parente era bancário e o fazia com muita tranquilidade dando oportunidade para o subordinado que distraidamente se desfez da “posição de sentido”. Nessa hora o Comandante interrompeu a conversa e perguntou: “Eu mandei fazer a posição de descansar?” Imediatamente o subordinado se desculpando reassumiu a “posição de sentido”, quando então mostrando um semblante de satisfação voltou à tona e disse: “agora pode descansar.”
Em um outro episódio, um auxiliar encarregado de expedir correspondências se equivocou com um endereço e a carta, então assinada pelo Capitão, retornou. Chamou o subordinado e lhe disse:” fique sabendo que você deu um prejuízo financeiro ao Tesouro Nacional. Sabe o preço do selo da carta que voltou por sua culpa? Cometeu o crime de lesa pátria. Vai ficar detido por três dias por causa disso”, Mas como o “criminoso” estava gripado e baixou o Hospital, o assunto morreu por aí.
Tínhamos lá um sargento pintor de veículos muito bom profissionalmente, mas sem nenhum traquejo ou preparo intelectual. Estando de comando da guarda, o General Comandante da Região chegou repentinamente e a guarda foi montada às pressas. O sargento, como eu disse, muito “cru” e nervoso, ordenou o comando de “olhar à esquerda” quando o General chegava à direita, fazendo com que toda a guarda voltasse o olhar para o lado oposto ao do Comandante.
Imediatamente o General ordenou que recolhesse o sargento ao xadrez o que foi cumprido pelo Capitão Comandante da Unidade, mas logo que o General se retirou, mandou trazê-lo de volta. Ele tinha dessas atitudes.
Eu cursava o Aero Clube de Juiz de Fora e estava programada uma viagem de treinamento no Estado do Rio. Ocorre que eu precisaria ter autorização do meu Comandante para sair da cidade, mas como iria sair também da área da Região, tinha que ter autorização do General Comandante, o que seria impossível a curto prazo.
Mesmo assim me atrevi a pedir autorização para ele, mesmo sabendo que ele só poderia dar para me afastar da guarnição.
Contei toda a história e ao final lhe disse; “Capitão eu sei que para sair da Região só o General pode autorizar, mas uma ordem sua ninguém pode contestar, por que a sua autoridade é bastante conhecida.”
Na mesma hora o semblante dele ficou irradiante e pegando um cachimbo que ele usava nos momentos de euforia disse que de fato ele sendo “filho de General, genro de General etc.” ninguém iria querer se meter e me deu a autorização.
O detalhe da história era que ninguém iria me pedir nada. A autorização necessária é só uma salvaguarda de que se acontece alguma coisa ele já sabe que me afastei. Ou seja, é para uso somente na origem e não no destino, e ele sabia disso, mas nunca iria perder a oportunidade do brado de guerra.
Outro fato pitoresco foi que desejoso de construir uma quadra de esportes múltipla escolheu um local que tinha um morrote que deveria ser derrubado. Montou uma equipe para cuidar da “obra” no final de semana. Ocorre que quando chegou na segunda feira viu que derrubaram o morro errado. De pronto mandou derrubar o monte certo e refazer o que foi derrubado.
Conto esses episódios apenas para “desopilar o fígado “e não para desmerecê-lo pois se trata de um grande oficial e que teve um bom comando na nossa unidade.
Ele ficou no comando por pouco, pois sendo promovido a major teve que ser transferido passando para um capitão de engenharia já dos quadros da unidade.
Dessa Companhia só tenho elogios e muita saudade e me sinto privilegiado por ter estado ombro a ombro com uma elite de militares, oficiais, graduados e praças, todos dotados de um sentimento fraterno fazendo com que essa unidade militar de alta capacidade profissional se tornasse como que um ambiente familiar em que todos, embora resguardando a disciplina e a hierarquia, se considerassem irmãos.
Logo em seguida fui fazer um curso de aperfeiçoamento em Belo Horizonte e no meu retorno já estava designado para uma outra unidade, também de serviços (Depósito de Engenharia), onde permaneci por pouco tempo por ter sido aprovado em concurso público para a secretaria da Câmara dos Deputados.
O espaço não permite que eu possa relatar com detalhamento toda a nossa trajetória nessa época, mas o importante, mesmo dando uma pequena amostra é afirmar que infelizmente pouco se sabe da verdade sobre o quotidiano nos quarteis e muito se fala sobre o que não se conhece.
Doravante, me ocuparei de fazer uns relatos, mesmo que no estilo de “sueltos “do período, rico da história, como o 11 de novembro de 1955, renúncia do Presidente Jânio Quadros e outras mais., sobre o que se sabe o que é contado aqui fora, mas que eu vivi lá dentro.
Caro Hargreaves
Muito gratificante ficar sabendo que fomos companheiros de armas. Desde logo aguardo suas prometidas revelações sobre o 11 de novembro de 1955, evento do qual participei como 2º Tenente de Engenharia.
Estavamos de prontidão na Vila Militar e cerca das duas ou tres horas da manhão o oficial de dia me acordou a chamado do Comandante que me disse secamente ” A Vila esta descendo, voce tem trinta minutos para colocar seu pelotão ( de radio ) em ordem de marcha e apontou para o jeep que deveria conduzi-lo e deveria ser seguido pelo pelotão . As cinco da manhã a rede radio estava instalada e funcionando na cidade e antes do meio dia o Marechal Lott baixou um comunicado informando o ” RETORNO AOS QUADROS CONSTITUCINAIS VIGENTES, com isto garantindo a posse de Juscelino Kubisheck.
Foi isto mesmo ?
Abraço
Miguel
Caro Miguel, a alegria é toda minha e aproveito ainda para registrar que o seu lar está bem conectado conosco, vc do EB e a estimada Sylvia, sua esposa, Radio Amadora.
Quanto ao texto foi bastante, isso. Darei minhas observações em futuro próximo pois a minha inenção será a de expor as minhas observaçoes dos bastidores.
Mas, acho que o brasileiro, de modo geral, precisa estar atento à sua história, até mesmo para estabelecer ilações com os dias atuais. Entendo que Ministro Lott, à época, prestou em bom serviço à nossa democracia, Obrigado pelo comentário,abs
E a historia do tiro no rato????
Olá minha irmã, conhecedora de alguns desses fatos. Esse a que vc se referiu estará presente no próximo texto que já está no forno.
Caro amigo Henrique,
Sua narrativa sobre os primeiros passos de caserna traz, sobretudo aos que tb por lá passaram, muitas recordações.
Fatos jocosos preenchiam nossos dias nessa nova experiência de vida.
Contudo, esperado é o próximo registro de “Meus Caminhos “, como já pedido, dado o momento político/militar por que atravessava o País naqueles idos.
Caro Roberto,
Em grande parte dos arquivos implacáveis que temos que revolver para elucubrar, vejo sua presença como um dos protagonistas daqueles fatos. Vamos continuar no registro dos episódios que nos inspiram e que afinal fazem parte de uma história.
HH,
“É so isso que pertuba o Comandante?”Seria uma inoportuna pergunta ,mas daria tudo para ouvir essa resposta e com certeza ela daria muito ibope nos comandados!
Grande abraço
B
É….mas a nem sempre a prudência aprova …