Como todas as pessoas, principalmente as que estão recolhidas em casa, também eu, me dispus a assistir algumas reuniões da CPI do Covid 19, nos intervalos dos filmes e seriados disponíveis nos aplicativos, sendo esses últimos bem melhores do que as primeiras.
Estranho, dizer uma coisa dessa, pois afinal, em tese estamos tratando de um instituto previsto na nossa Constituição destinado a manter “o equilíbrio institucional prestigiando a função do Parlamento enquanto órgão de fiscalização da administração pública “conforme registra Pierpaolo Cruz Bottini
“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
- 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”
É a maneira pela qual os constituintes asseguram o equilíbrio institucional fundamentando a função do Parlamento enquanto órgão de fiscalização da administração pública “ de forma a garantir ao Poder Legislativo o exercício legal de uma função atípica, apurando a prática de fatos ilícitos com independência em relação aos outros poderes e, portanto, sem sofrer o controle ou influência externa em seus atos investigatórios, com exceção do controle judicial, que não pode ser afastado, por imperativo constitucional, na interpretação de Leonardo Tajaribe Junior ( advogado criminalista) em seu ensaio sobre o direito ao silêncio nas CPIs.
Nota-se, entretanto, de antemão, que as Comissões Parlamentares de Inquérito são um meio importante para investigar fatos determinados, sem o desvio desse foco para artimanhas de caráter pessoal visando interesses escusos.
Por outro lado, embora investida de poderes de natureza judicial, nos limites que lhes são impostos, não há como desconhecer que sendo um instituto próprio do Congresso Nacional prevalece o viés político da investigação, sem, contudo, caminhar para a politicalha que desmerece a nobreza de sua destinação.
O que estamos assistindo na atual Comissão Parlamentar de Inquérito da COVID 19, é exatamente o que não gostaríamos de ver. A exorbitância de ação dos seus integrantes, e do próprio Presidente da Comissão que se distancia de sua ação moderadora e se permite discutir com os depoentes sobre questões de mérito, que, em sendo membro do colegiado mantem o seu direito de participar, desde que transmita o cargo para o Vice Presidente e exerça o seu direito em igualdade de condição com os demais, inclusive se inscrevendo na forma regimental.
Ao fazer esse registro recordo-me da postura do saudoso Ministro e Senador Jarbas Passarinho quando exercia a Presidência de Comissões e do próprio Senado Federal, com uma postura e elegância que a atual geração não teve e não tem oportunidade de conhecer. E para não restringir os exemplos podemos citar na mesma linha Afonso Arinos, Acioly Filho, Petrônio Portela, Magalhães Pinto, Auro de Moura Andrade e uma dezena de nomes que deixaram um legado histórico,
Não estou sendo saudosista, mas apenas, fiel com a história.
O fato é que, para o exercício da função de dirigir a Comissão ou sua Relatoria, é preciso, além de ter conhecimento regimental saber ser imparcial quando necessário a fim de preservar o equilíbrio que se espera de um investigador.
Ora, o que se observa é que de fato, já há uma predisposição sobre a matéria a ser esclarecida, que leva à impressão de que o Relatório final já esteja pronto e o que se busca é uma forma de fundamentar o veredicto, haja vista, o destempero por parte do inquiridor que fica transvestido de inquisidor quando a resposta do depoente não atende aos seus propósitos.
Vi nos jornais notícias sobre uma reunião de membros da Comissão com o Presidente, Vice Presidente e Relator, a fim de ajustar a formação de um grupo denominado G7 que garanta a maioria no plenário para dar cobertura às suas ações.
O fato de ter poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, não significa que os seus membros sejam investidos de poderes ilimitados que os próprios juízes não detêm.
Assistimos não só por parte do Presidente e do Relator, e, eventualmente de algum outro integrante do colegiado, ameaças aos depoentes, inclusive no que tange a sua prisão baseada única e exclusivamente ao seu próprio juízo de que tenha havido falsa declaração. Nem mesmo nos Tribunais se vê tal disparate. Nas audiências o Juiz uma única vez, ao tomar o juramento de uma testemunha, alerta quanto às penalidades a que está sujeito o falso testemunho.
Nesta CPI a todo momento, diante de uma resposta indesejada, exasperados, ameaçam o depoente, visando a reformulação de sua fala, como se a prisão por falso testemunho pudesse ser utilizada para coagir uma testemunha a dizer a verdade.
Em princípio há que se anotar que a prisão por falso testemunho tem que ser precedida de uma ação na qual o indiciado poderá ser absolvido se se retratar antes da sentença ou provar a sua inocência. Já a prisão em flagrante pode ocorrer se comprovada de forma incontestável a falsidade do depoimento. Portanto, não basta que um grupo partidário decida que houve falsidade no depoimento para justificar a medida extrema.
Ainda no mesmo diapasão o Presidente da Comissão em entrevista, que aliás tornou-se costumeira, assim como faziam os procuradores de Curitiba, o que também não é próprio de uma autoridade investida no poder próprio dos juízes, frequentar a mídia tratando dos autos, em companhia do Relator e do Vice Presidente, chegou a dizer que um depoente que estará proximamente na Comissão como testemunha reconvocado, possivelmente sairá algemado do recinto.
Esqueceu-se o pretenso magistrado e seria de bom alvitre consultar que legislação lhe dá esse direito e o pior, se duvidar ele próprio talvez venha experimentar esse acessório por força de uma lei que trata de abuso de autoridade.
O que está faltando é experiência e competência aos senhores investigadores políticos e saber configurar o que é falsidade que não pode ser confundida com “aquilo que eu quero ouvir” e não se esquecer o que diz o § 3º do art. 58 da CF, no sentido de que as suas conclusões, se for o caso, serão encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
Ou seja, a função da CPI é investigar o fato determinado e apresentar suas conclusões em forma de um Relatório que será encaminhado ao Parquet que concluirá ou não pela criminalização dos responsáveis para apreciação judicial.
Do mesmo modo é bom que se entenda corretamente a questão da prisão do depoente que está sendo tratada de forma primária, apesar da seriedade de que se reveste.
Inicialmente é importante reforçar que para a prisão ser efetivada há necessidade de uma ação judicial e a punição que eventualmente possa vir a ser decidida, poderá ser anulada em caso de retratação ocorrida antes da sentença. “ Mutatus mutandis “ na CPI essa retratação poderá ocorrer antes do Relatório final, o que permite um entendimento de que dificilmente se poderá aplicar a prisão em flagrante.
A conclusão que nos leva é que a CPI não se encontrou ainda, principalmente quando assistimos, invariavelmente, duas a três horas assistindo uma cansativa sessão de perguntas a respeito da cloroquina e uma catilinária sobre quem o depoente conhece no Palacio do Planalto, sem nenhum proveito de ordem pública.
E tudo isso é consequência do que começou errado.
Já tive oportunidade de comentar isso.
O próprio Presidente do Senado se equivocou ao instalar a CPI, e o fez no desejo de cumprir uma determinação do STF que também foi equivocada.
Na realidade o STF poderia determinar que o Presidente do Senado fizesse tramitar o Requerimento, o que equivale a dizer que a Consultoria da Mesa daria o parecer sobre os pré-requisitos (número de assinaturas, FATO DETERMINADO e prazo de duração), a exemplo de inúmeros Requerimentos já postados e analisados, tendo muitos deles sido devolvidos por falta do cumprimento das exigências. Todos tinham o número de Requerentes e o prazo fixado, mas esbarravam na questão da caracterização do Fato Determinado.
Abaixo alguns exemplos que foram liminarmente excluídos na Câmara dos Deputados:
– “Investigar com profundidade e perícia o porquê dos valores exorbitantes das contas de luz elétrica, além de apurar a morosidade do restabelecimento no fornecimento de energia elétrica pelas Concessionárias de Energia”.
– Com a finalidade de investigar denúncias e supostas irregularidades envolvendo o tratamento de câncer no Sistema Único de Saúde (SUS)
– Investigar e avaliar o aparelhamento estatal para educar, coibir e impedir os resultados da noticiada banalização de uma cultura de estupro no País, averiguando se há mudanças na ocorrência desse tipo de crime, e as ações do poder público para educar, esclarecer, impedir e promover a eficiência da persecução penal no Brasil dos crimes de estupro, nos últimos cinco anos.
Apenas para comparação transcrevo a ementa da atual CPI da COVID 19 com as demais acima transcritas
-Investigar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil”, quanto a premissa subsequente, acessória e menor “e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados”.
É evidente que essa proposta não teria a menor possibilidade de ser admitida.
Em todos esses requerimentos a manifestação da Consultoria da Mesa da Câmara Federal, foi sempre no mesmo sentido:
“O fato determinado estabelece o escopo e os limites da investigação e é condição indispensável à instauração do inquérito parlamentar. A descrição do fato não pode ser genérica e deve conter a indicação de acontecimentos objetivos situados no tempo e no espaço, ou a individualização de condutas ilícitas passíveis de apuração. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões, o inquérito parlamentar, pela sua excepcionalidade, somente se instaura diante de fatos devidamente descritos, devendo ficar adstrito à apuração destes durante tempo certo, o que representa garantia constitucional de toda a sociedade, visto não se admitir que o Poder Legislativo realize apurações a esmo, transmudando-se em órgão de investigação permanente dotado de poderes especiais. No magistério do Ministro Celso de Mello, “somente fatos determinados, concretos e individuados, ainda que múltiplos, que sejam de relevante interesse para vida política, econômica, jurídica e social do Estado, são passíveis de investigação parlamentar. (…) O objeto da comissão de inquérito há de ser preciso”.
Não precisamos dizer mais nada.
É muito fácil deduzir que o resultado disso é um tiro no pé!
“
Caro Hargreaves
Discute-se no momento uma eventual punição ao General Pazuelo por quebra de disciplina militar ao participar de ato considerado político.
Nem o Comandante ou o Alto Comando do Exercito e tão pouco o Ministro da Defesa podem, pelo menos neste momento, punir o General Pazuelo simplesmente porque ele está fora de suas jurisdições.
Com efeito, tendo assumido cargo na Presidência da República, Pazuelo ficou subordinado diretamente ao Presidente da República que não pode ser atropelado pelos generais e certamente foi esta a razão pela qual foi levado para o Planalto e não para fugir do STF como ingenuamente especulou a imprensa.
Em novembro de 1955, o Coronel Bizarria Mamede, no enterro do seu correligionário General Canrobert Pereira que foi convertido em ato politico, manifestou-se violentamente contra a posse de Juscelino Kubischek, recém eleito.
O Ministro de Guerra Teixeira Lott presente no ato, considerou o ato político e o discurso quebra da disciplina militar e tentou punir Mamede.
Não conseguiu justamente por estar Mamede fora de sua jurisdição, cursava então a Escola Superior de Guerra subordinada ao EMFA, órgão da Presidência da República.
Teixeira Lott recorreu a Carlos Luz, Presidente Interino, que não o atendeu, pelo contrário, demitiu-o no mesmo dia.
O resto da história todos conhecemos. No dia seguinte Carlos Luz embarcou melancolicamente no Tamandaré, Teixeira Lott “ restaurou os quadros constitucionais vigentes “ e as 09.00 horas da manhã encaminhou ao Congresso um pedido de Impeachment. As 11.00 horas Carlos Luz não era mais Presidente e a hierarquia e disciplina no Exército estavam preservadas.
Mutatis Mutandis, no quadro de hoje, Pazuelo seria Mamede, Bolsonaro seria Carlos Luz, o motivo a vacina do covid assim como no passado a posse de JK.
Falta apenas o Teixeira Lott, se aparecer leva.
Um abraço
M.Carvalho/Brasilia
Caro Miguel. Grato pela participação. Lembro-me bem desses fatos, principalmente por ter curtido duas semanas de prontidão no Quartel General da Quarta Região Militar e Quarta Divisão de Infantaria sob o comando do General de Divisão Cyro do Espírito Santo Cardoso. O problema é que a história deveria servir de ensinamentos para as gerações que não aprendem e depois choram. Esperar para ver..
Prezado Ministro, parabéns pelos ensinamentos brilhantes , oportunos e necessários ! O Presidente do Senado deveria escuta-lo . Há necessidade urgente de bom senso , inteligência e vivência .O Brasil e os brasileiros clamam por isso .
Obrigado amigo. O problema que me assusta é que não falta no Senado uma Assessoria competente, aliás desnecessária nesse caso, pois o Presidente além de parlamentar experiente é um excelente advogado e sabe perfeitamente das coisas.Resta saber, porque isso aconteceu !
Pois e……
É mesmo. É agora esperar o final das contas…