Convidado pelo jornalista Luís Costa Pinto para participar do seu programa “Sua Excelência o Fato”, já postado neste site, sob o título “Entrevista” tivemos oportunidade de reviver tempos passados quando estive Assessor Técnico na Câmara dos Deputados, Sub Chefe da Casa Civil da Presidência da República (Governo José Sarney) e Ministro Chefe da Casa Civil (Governo Itamar Franco).
Dentre os temas ali suscitados destaco a questão relativa à observância da liturgia dos cargos, prevalecendo ao sabor dos interlocutores a postura do Presidente Bolsonaro.
Sem pretender fazer a defesa do mandatário, até mesmo porque não estava credenciado para tal, mais ouvi do que falei.
No entanto, hoje vou me permitir tratar do assunto de forma mais ampla, e em especial no que tange à liturgia no âmbito do Legislativo e da Imprensa, do que pouca gente se ocupa, uma vez que a preferência é a exclusividade ao Presidente da República.
Inicialmente vale definir o que significa esse termo tão badalado.
A palavra Liturgia vem do grego λειτουργία, que significa ação do povo, mas é mais utilizada como o rito das cerimonias religiosas. No nosso caso eu diria que é a compilação de ritos e cerimônias relativas ao cargo, que deve ser respeitada com a observância necessária à sua preservação.
Em uma reunião ocorrida na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em que o tumulto foi a tônica de seu funcionamento o Deputado Paulo Abi-Ackel (MG) interviu dizendo que “ tanto quem assiste as reuniões da Casa, como os parlamentares nas comissões e, assiste em plenário, precisam estar atentos para resgatar o que no passado sempre foi muito festejado: a liturgia das atividades parlamentares, solicitando serenidade e calma para que o debate possa acontecer de forma técnica e com respeito”
O respeitado jornalista e professor da USP Gaudêncio Torquato, fez postar no Jornal “Democrata” e no “Tempo” de Betim (MG) um texto do qual permito-me transcrever em parte:
“Cada governante com suas manias. Idi Amin, ditador de Uganda, dizia que conversava com Deus. Um jornalista jogou a pergunta: “quando”? Ele: todas as vezes que se faz necessário. Um contador de lorotas. A história registra casos de governantes que se colocavam em pé de igualdade com Deus. Em Gana, os ganenses comparavam o ditador Nkrumah a Confúcio, Maomé, São Francisco de Assis e Napoleão. Ele é “imortal, nosso messias”. Franco proclamava-se “Caudilho da Espanha pela graça de Deus”.
Giscard D’Estaing, chegando à presidência da França, inventou maneiras de popularizar sua imagem. Tocava acordeon em praças públicas, andava a pé por Paris, ia ao teatro com a família, tomava café com varredores de rua, desfilava com seu cão amestrado. Um adepto do dandismo, fenômeno que explica pessoas que têm o prazer de espantar. Foi criticado por exagerar a dessacralização do poder.
Nisso, inspirava-se em Luis XIV, o rei que se exibia em Versailles montado em seu cavalo crivado de diamantes. Dizia ele: “os povos gostam de espetáculo, com o qual dominamos seu espírito e seu coração”.
Já outros se levam mais a sério. Convidado numa festa a tocar cítara, Temístocles, o ateniense, altivo e poderoso, respondeu: “não sei tocar música, mas posso fazer de uma pequena vila uma grande cidade”. De Gaulle, eis um general que impunha respeito. Não precisava se enfeitar nem adoçar as palavras para impor autoridade. John Kennedy brilhava na frente de uma câmera de TV. Nixon, por sua vez, era uma lástima.
O fato é que os governantes, cada um a seu modo, se esforçam para dar brilho à imagem. E, frequentemente, trocam a semântica pela estética, o conteúdo pela forma. Quando o exagero sobe a montanha, a imagem se esfarela. O povo capta bem a fosforescência artificial de certos mandatários. Por isso, alguns sobem, outros descem………………..”
Cá para nossas bandas as coisas são bem diferentes.
Temos visto na já badalada CPI da Covid 19, uma vasta demonstração do desrespeito à liturgia das atividades parlamentares pouco vista na historia do nosso Legislativo, o que demonstra um certo despreparo por parte de seus integrantes que parecem não ter entendido ainda a sua função e nem mesmo a dignidade do seu cargo.
Comecemos pelo Presidente da Comissão, cuja missão deve se assemelhar a de um Juiz na condução de uma audiência dirigindo os trabalhos com autoridade altiva, respeitosa e objetiva, consciente de que o depoente a ser interrogado tem o direito de um trato com urbanidade, seja ele quem for, e as suas declarações devem ser anotadas, sem questionamento, para depois no Relatório, elaborado na Comissão, ser devidamente analisado.
Nessa CPI vemos tudo às avessas. O Presidente interrompe o Relator, e às vezes xinga qualquer membro da Comissão que esteja interpelando, ou interpondo Questão de Ordem, se for governista, e ainda costume ofender e agredir o depoente. Um fato bem divulgado foi a ordem de prisão que decretou de uma testemunha sob a alegação de perjuro. De pronto em alto e bom som determinou a detenção dizendo: “A minha ordem foi dada e quem quiser que me processe. “
Isso é de fazer corar qualquer juiz!
O próprio Regimento do Senado dispõe que o Presidente da Comissão for o Relator, ocasionalmente, deve transmitir o cargo para o Vice Presidente até o final da discussão e votação da matéria. Ou seja, o Presidente não participa de discussão e no caso, não interroga, limitando-se a, quando for o caso, pedir que o depoente esclareça algum ponto que pareça controverso.
O palavreado então é de entristecer e o relacionamento entre os pares quando é ameno tem como base o baixo calão.
E a Imprensa? Está dispensada de uma liturgia?
Não creio e não aceito que os responsáveis pela comunicação social, gozem dessa imunidade, principalmente nos nossos dias, com o advento da televisão, em que automaticamente entra no convívio de nossas famílias, com um simples “click” no aparelho que inocentemente ligamos para saber das ultimas noticias, e nos submetemos a ter que ouvir todo tipo de abordagem, independente do horário.
Além disso, como formadores de opinião teriam que apresentar os fatos como um relato honesto, deixando as interpretações a cargo dos telespectadores, mas, ao contrário, a divulgação é feita devidamente saneada por suas próprias opiniões, fazendo com que a noticia ganhe um status de verdade. Isso, sem falar do caráter escandaloso oferecido diante de qualquer ocorrência, sem a necessária ponderação, antes de divulgar, ainda que disso possa provocar consequências irreparáveis.
Apenas como exemplo relembro o fato ocorrido envolvendo um militar conceituado e titular de uma carreira irreprovável, dedicado pai de família, mas que sendo homossexual foi flagrado em atitude pouco recomendável, no interior de seu veículo, o que motivou sua detenção por um policial.
Em que pese a transgressão injustificável, de estar na via púbica, o conluio inaceitável entre o Delegado e um repórter permitiu que o fato fosse divulgado com toda a pompa e circunstância causando uma exposição com a mostra de todos os detalhes de interesse questionável, e que somente, na visão dessa imprensa, só ganharia destaque por se tratar de um oficial de alta patente. Ou seja, o fato em si não era tão relevante, mas a sua importância era relativa ao nível profissional do agente. Essa publicação acabou com uma família e uma carreira brilhante e o que se sabe é que o citado militar veio a falecer acometido de problemas psiquiátricos. Pergunta-se: quem lucrou com isso?
De fato, é incontestável o valor e a necessidade da imprensa, mas de igual forma é fundamental que ela se enquadre na ética e principalmente na moral na execução de seus misteres.
O doutor Enéas Cardoso, médico que se notabilizou por sua carreira política, disse: “
“Desconfie sempre do que noticia a imprensa escrita em palavra.
A caneta de um mau jornalista, pode fazer tanto mal quanto um bisturi na mão de um mau médico.”
Adlai Stevenson, político e pensador americano sentenciou: “A imprensa separa o joio do trigo e publica o joio. Se meus inimigos pararem de dizer mentiras a meu respeito, eu paro de dizer verdades a respeito deles.”
E Juca Chaves, denominado o menestrel maldito, compositor brasileiro, com sua verve maldosa publicou: “A imprensa é muito séria, se você pagar eles até publicam a verdade”.
São afirmações ditas há décadas, o que demonstra que apesar do avanço na área tecnológica, que até permite a presença humana no espaço sideral, os valores culturais da moral e dos costumes tiveram pouca evolução.
Outrora, embora gostasse de ouvir as paródias de Juca Chaves, achava, de certa forma, injusta a generalização de suas musicas e, em especial a denominada “Caixinha, obrigado, cuja letra me permito transcrever abaixo para que possamos analisar se hoje, anos após o seu lançamento, ainda calce como uma luva.
“Caixinha Obrigado
A mediocridade é um fato consumado
na sociedade onde o ar é depravado
marido rico, burguesão despreocupado
que foi casado com mulher burra mas bela
o filho dela é político ou tarado
Caixinha, obrigado!
A situação do brasil vai muito mal;
Qualquer ladrão é patente nacional;
Um policial, quase sempre, é uma ilusão
E a condução é artigo racionado.
Porém, ladrão… isso tem pra todo o
Lado!
Caixinha, obrigado!
O rock’n’roll, nesta terra é uma doença,
e o futebol, é o ganha pão da imprensa
vença ou não vença, o Brasil é o maioral
e até da bola, nós já temos general
que hoje é nome de estádio municipal
Caixinha, nacional!
a medicina está desacreditada
penicilina, já é coisa superada
tem curandeiro nesta terra pra chuchu
Rio de Janeiro tá pior que Tambaú
e de outro lado, onde está o delegado
Caixinha, obrigado!
Dramalhão, reunião de deputado
é palavrão que só sai pra todo lado
Se um deputado abre a boca, é um
atentado
E a mãe de alguém é quem sofre toda vez
No fim do mês… cento e vinte de ordenado.
Caixinha, obrigado!”
Diz o italiano: Si non é vero é ben trovato”
.
Excelentes as matérias postadas