EM BUSCA DE POKEMON
Permito-me transcrever um delicioso artigo que a Ilustre Desembargadora Federal Monica Sifuentes publicou no Correio Braziliense, no sábado ultimo, com esse título.
” O Central Park, em Nova York, é considerado um dos parques urbanos mais bonitos do mundo. Durante todo o ano, o movimento de turistas é intenso, especialmente no verão, quando milhares de pessoas se espalham pelos seus 3,5km de área verde. Como em toda cidade grande, à noite, o movimento cai e o local se torna perigoso. Poucas pessoas se arriscam a caminhar ali dentro ou nos arredores, nem mesmo com seus cachorros. Por isso, foi um espanto geral quando, na noite de 15 de julho deste ano, o parque foi literalmente invadido por milhares de pessoas correndo com celulares nas mãos. O movimento inusitado àquela hora não se devia ao aparecimento de alguma celebridade ou show de algum pop star. Estavam todos disputando espaço para encontrar um bichinho virtual—um Pokémon.
Desde que o jogo apareceu, há mais ou menos dois meses nos Estados Unidos e, agora, no Brasil, se ouven a cada dia notícias absurdas sobre as maluquices que as pessoas fazem e os acidentes graves por elas sofridos ao procurar os pokestops—lugares onde esses seres são armazenados. Há casos comprovados de desastres envolvendo motoristas que se distraíram ao volante, de crianças que se machucaram ou foram quase atropeladas por estarem entretidas com o jogo, de pais que largaram o filho pequeno e saíram de casa em busca do bichinho e até de uma americana que mergulhou num rio e acabou encontrando um cadáver boiando. Semana passada, eu estava caminhando quando duas senhoras, aparentando estar nos seus 70, subitamente começaram a gritar e a gesticular no meio da ma. Tinham acabado de pegar um tipo muito raro de Pokémon.
Fico em dúvida se de repente todo mundo enlouqueceu ou se toda essa febre não passa de uma grande estratégia de marketing para aumentar as vendas do aplicativo. A segunda hipótese é fácil de descartar. O jogo em questão foi o mais baixado nos celulares nas últimas semanas e, certamente, já rendeu aos seus idealizadores alguns milhões de dólares. A primeira hipótese, no entanto, embora exagerada, não é completamente absurda quando a analisamos sob o prisma dos nossos antigos padrões de comportamento. Nós, os dinossauros da era virtual, religiosos ou não, crescemos e fomos educados dentro dos exatos termos do preceito bíblico de que “ganharás o pão com o suor do seu rosto”. Significa isso que para viver é preciso comer e quem quiser comer tem que trabalhar. Nada mais terra, nada mais mundo real, físico. Há, obviamente, versões de ciência política e econômica mais sofisticadas para esse princípio, que no fundo retratam a mesma realidade visível do planeta no qual todos os dias colocamos os nossos pés.
Os caçadores de Pokémon, ao contrário, são pessoas que têm a capacidade de viver e interagir em dois mundos paralelos, o real e o virtual. Esses mundos, no entanto, estão a cada dia mais próximos do que se imagina, e não é simples brincadeira. Grandes empresas, como Microsoft, Google, Facebook, Samsung e Apple, estão investindo pesado na tecnologia denominada realidade aumentada, a mesma usada no inocente jogo dos Pokémon. Essa tecnologia permite que o mundo virtual se misture e interaja com o mundo físico e que as pessoas possam viver essa realidade paralela nas suas atividades diárias, seja no trabalho, na escola, seja nas suas casas. Ela vai mudar completamente a forma como nos relacionamos não apenas com as máquinas, mas sobretudo com os outros e conosco. Não por acaso, o criador do termo, Thomas Caudell, professor de engenharia eletrotécnica, tem formação complementar em ciência da computação e psicologia. Caudell comanda pesquisas de ciência
neural cognitiva e redes neurais computacionais. Seu foco é inteligência artificial.
Confesso que toda essa revolução me faz sentir como se eu estivesse ainda caminhando na pré-história. A minha geração, que amava os Beatles e os Rolling Stones, está provavelmente um pouco decepcionada com os caminhos que as coisas tomaram. Talvez quiséssemos mais engajamento político, mais preocupações sociais, do que ver gente correndo atrás de figuras imaginárias. Talvez nos sintamos incomodados, porque o mundo que nós conhecemos está prestes a desmoronar. Eu confesso, parafraseando Caio Fernando Abreu, “que essa não é exatamente a realidade que eu esperava encontrar”. Mas os tempos mudam, as pessoas mudam e “talvez isso mude. Talvez essas mudanças entrem na minha vida sem tocar a campainha e me sequestrem de uma vez”. Ou, como disse o escritor, “talvez eu só precise de férias, um porre e um novo amor”. Porque ainda prefiro andar pelos parques do que procurar Pokemón.”
Adorei penso exatamente assim
Chega a ser tragicômico..